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#BlogConf 6: José Sócrates (e a política)

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Não era a primeira vez que estávamos a um metro um do outro, mas não nos conhecíamos pessoalmente. Cumprimentou-me, tinha o trabalho de casa feito, sabia quem eu era.
Esse é um dos seus pontos fortes. Fixa o que lhe dizem, é rápido, rapidíssimo, um segundo e trata o blogger pelo nome e, tendo dele alguma referência anterior, mete-a na conversa. Espreitou pelo canto do olho o dístico com o nome? É claro que sim, mas fê-lo uma vez e sem se dar por isso. 20 bloggers, 4 horas a responder, enganou-se uma vez. Deve ser fácil de “brifar”.
Que não, respondi eu sem falsa modéstia, não sou assim tão popular, tenho — como o senhor Primeiro Ministro — um bom lote de pessoas que me detestam por alguma razão, as mais das vezes inventada.
(Ao contrário dele, que tem mais que fazer, eu não deixo os meus “inimigos” sem alimento. Feed the troll. Sede compreensivos, fazem parte do ecosistema.)
Ao longo da sessão fixo alguns detalhes. Deve ter uma memória prodigiosa. Em quase quatro horas não puxou de um papel, não se socorreu de um dossiê — e debitou relações e números como quem bebe água.
Bebeu água, a propósito. Pouca. Houve uma altura, aí entre a 15ª e a 16ª pergunta, o cronómetro nas 3 horas e o meu Mac a pedir emprestada energia ao cabo do Rui Grilo, em que me pareceu com a boca seca e um ar cansado. Preparei-me para uma pausa maior — mas qual, recuperou no segundo seguinte.
O secretário-geral do PS e recandidato a Primeiro Ministro gosta de falar. Usando a frase de um próximo, dá-se bem no registo de proximidade. Fica melhor que na televisão e no soundbyte.
Gosta de conversar e tem ideias, uma visão, uma linha. Aquela cena do político executivo, que é algo geracional, do PM-regisconta, não se aguenta 3 minutos: dou por mim à procura, no google da cabeça, de líderes do século passado, homens apaixonados pela política, para comparar, re-encaixar, etiquetar.
Bem sei que estamos numa acção que para ele é de pré-campanha; não vê os bloggers como vê os jornalistas — ou talvez seja porque está disposto a um diálogo generoso, para (tentar) corrigir a má imagem do seu passado com “a blogosfera” (aspas minhas; se há altura em que não se deve generalizar, é esta a altura. Um blogger não são bloggers).
Ou então está só bem disposto e tem tempo.
Escuta atenta e pacientemente as perguntas — outra surpresa, Sócrates na televisão parece impaciente, irritado até, ou irritadiço. Por duas vezes eu próprio me perco, mas afinal qual é a pergunta, mas Sócrates não. Com uma Futura de feltro grossa — má escolha de caneta, acharei eu — toma notas de uma frase, duas palavras, um nome. Desavergonhado, espreito de soslaio. São miras técnicas: da pergunta apanha, com um treino que me deixa admirado, parece treino de jornalista, os termos chave que indicam o tema. Setas a balizar a sua resposta.
Depois, nem as olha. Faz-me lembrar as minha cábulas no liceu. Uma vez escritas, pequenos papelinhos que iria esconder nas mangas, botas e livros ficavam inúteis: escrever serve para os olhos fotografarem, o cérebro depois enquadra.
Surpreso, eu, no final, muito para lá do final: Jorge Seguro Sanches falara-me em hora e meia, hora e três quartos e íamos nas 3 horas e um quarto de diálogo quando se conclui a primeira ronda e lhe pergunto se quer continuar, tinha ficado um par de questões pendentes, e vou dizer, mais uns 5 minutos, 1 pergunta?, Sócrates antecipa-se e propõe, naquela voz Ricardo Araújo Pereira, mais meia hora, 15 minutos, Paulo Querido. Está tudo ao contrário, desisto e olho cúmplice para a minha Ana. Vamos lá a isto.

Do que ele disse retenho o que mais me interessa. Gostei de ouvi-lo dizer que a sua geração (que é a minha, é quase 3 anos mais velho que eu) tratou mal os gays, assumindo um erro colectivo. Daqueles que envolvem uma dose de coragem e outra de convicção — ou ambas.
A propósito de coragem e de convicção, a primeira é nele traço evidente há muito, a segunda ressalta de facto mais na proximidade, ambas explicam a sua resistência e a resiliência no cargo, numa legislatura maldita que arrasou outros ministros e careceu de uma remodelação. Encolheria os ombros se me lesse: Sócrates olha pouco para o leite derramado lá atrás. Adiante.

Penso que as reformas na educação, sendo imperfeitas, eram necessárias e julgo que o seu sucesso se mede na proporção do ódio que geraram, um ódio corporativista. Mas das reformas geralmente só se percebem resultados concretos, para além das irritações cutâneas dos sectores, passados alguns anos, uma ou duas legislaturas depois. Mais lentas em áreas onde a demografia tem um papel. E entretanto quem as faz é punido pelo eleitorado, que na sua maioria detesta reformas e não as compreende (são sempre as minorias que as pedem).
Os professores são, bem vistas as coisas, os únicos inimigos realmente organizados do PS. E temíveis, pude recomprovar no rescaldo da BlogConf. O resto é guerra de guerrilha.

Estou com ele na insistência no Estado como motor da economia — embora desconfie que estou um bocadinho menos, a minha costela anarca gosta do Estado magro e bem passado. Mas num país com rarefacção crónica de elites, onde quem é capaz pouco desenvolve e muito aproveita, onde o Estado sempre foi, e é, visto como o pai protector mesmo por aqueles que reclamam contra, e numa crise que mais encolheu uma classe empresária já de si alérgica ao risco e ao empreendimento e favorável ao encosto e à pedinchice, se não for o Estado a mola, o agente provocador, quem será? A meia dúzia de excepções à regra ficam bem na fotografia para dar o exemplo e vender revistas com capa de luxo, mas não chega para fazer carburar o país.
A alta finança já indicou, claramente, ser favorável à opção do TGV e eu suspiro de alívio. Duas vezes: uma por Sócrates, que isso o ajude na função, e outra por mim, que quero ver o país reforçar as linhas que o ligam à Europa. A vocação atlântica é muito bonita e tal e romântica e assim, mas o isolamento persistente é a razão primeira do nosso atraso face à Europa e insistir nele é má ideia, sejam quais forem os argumentos usados.
Tenho dúvidas sobre o aeroporto. Não quero mais estudos — ou por outra: não quero mais estudos dos mesmos, mas nunca vi levado em linha de conta o futuro da aviação comercial. É, no mínimo, incerto. Não custava muito prever desde logo a hipótese de ter de mudar o desenho do aeroporto, os aeroplanos do ano 2025 não serão necessariamente os de hoje. Atrevo-me mesmo a dizer que não serão de todo em todo propulsionados como hoje. Prevenir é poupar.

Termino com algo que me afasta do PS e da esquerda. A energia. Está tudo bem com as renováveis, sejam não convencionais (ondas, vento) ou convencionais (hídricas), os carros eléctricos (clap clap clap), tudo. E é pouco. E o problema é esse. Toda a energia é pouca. Eu tinha a secreta esperança de ver a opção nuclear em cima da mesa, para começo de conversa. José Sócrates foi claro: não entra na agenda. É pena.


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